Requalificando os desabafos
Então a nossa querida Prefeitura de Niterói lançou neste dia 22 de abril o concurso para requalificação da orla de Charitas! Resolvemos aproveitar esse espírito para requalificar o nosso Desabafos Niteroienses, porque, afinal, a requalificação do nosso blog vai ser bem mais útil para a vida de Niterói do que a futura obra!
O concurso é promovido pela Prefeitura de Niterói - mais especificamente pela Secretaria de Urbanismo e Mobilidade em parceria com o Instituto de Arquitetos do Brasil - IAB-RJ. A orla de Charitas, na visão da Prefeitura, “é um espaço plural e complexo, com múltiplas vocações e desafios, de importância estratégica para a cidade de Niterói”, com grande, muito, gigante, potencial paisagístico que merece ser explorado (sic). Quem quiser desperdiçar uma hora de vida passando raiva entender melhor a publicidade do concurso, pode acompanhar a live de lançamento em https://youtu.be/kejYJhcuwj4
“Mas vocês não estão sendo críticos demais? Não é bom que pelo menos demos um passo para o fomento aos concursos públicos em arquitetura?”, nos interpelam.
Primeiramente: se não for pra ser crítico demais a gente não escreve um a sequer;
Segundamente: nós que aqui escrevemos compartilhamos as ansiedades dessa profissão liberal tão peculiar...
Terceiramente, agora falando sério (quer dizer, um pouquinho mais sério só): o que o lançamento desse concurso nos indica como visão de cidade posta em prática pelo poder público? Quais prioridades são dadas para definir obras na cidade - e alocar recursos para tal? Quais áreas da cidade recebem intervenções e remodelações com maior frequência? Para quê? Para quem?
Pensamos que as respostas para tais perguntas chatas de gente crítica estão claras nos vídeos institucionais do concurso: vender uma imagem da cidade competitiva (por coincidência, o concurso é lançado no mesmo dia em que Niterói comemora seu ranking de competitividade municipal). Por competitiva, leia-se: que atrai investimentos econômicos. Quem se apropria de tais investimentos? As pessoas que tradicionalmente têm seus quiosques na praia de Charitas, por exemplo, vão realmente fazer parte dessa festa da democracia - e dos investimentos econômicos - que é esse projeto de requalificação?
Qual é o papel de uma pessoa arquiteta? Ser instrumento para a concretização dessa visão de cidade - abanando o rabo para ganhar um biscoito chamado “pelo-menos-é-uma-oportunidade-de-trabalho-e-reconhecimento-da-profissão”? Ou o papel da pessoa arquiteta seria desvelar essa visão de cidade e propor outras óticas? A cidade que prioriza a competitividade e a exploração do potencial paisagístico é essa que propõe requalificações de áreas que já existem com muita dignidade. Uma cidade que priorizasse a garantia de direitos - à moradia adequada, ao saneamento, a estar a salvo de riscos socioambientais, ao usufruto de áreas de lazer de forma menos mercantilizada - teria proposto um outro concurso, talvez, não teria, quem sabe?
Ah, e a remodelação indicada da Praça do Rádio Amador? Sendo bem sincero, colegas que vão inscrever suas propostas, a Praça do Rádio Amador is fine the way it is. Sim, precisa de manutenção (que aliás estava acontecendo recentemente), mas ela já é um lugar de encontro funcional, que a população se apropria muito bem, obrigada. Chocante, não é? As vezes só o que as pessoas precisam é de grama, um lugar ao sol e barulho de mar.
Aqui no DN nossa luta pelo reconhecimento da profissão é secundária ao que o fazer da arquitetura e da cidade possam contribuir para sociedades menos desiguais. A bela paisagem da cidade que queremos é a em que ninguém durma na rua (porque tem onde morar), ninguém conviva com medo de sua casa desmoronar.
Enquanto isso, consideramos que, muito provavelmente, o resultado do concurso vai alcançar uma beleza estética, mas vai ter dificuldade de escapar de uma feiúra ética.
É muito importante este DN, para que a população possa fazer juz ao que realmente é necessario para o conforto de TODOS.
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